ATENÇÃO



A T E N Ç Ã O

As informações deste blog não foram escritas por um médico e não substituem o diagnóstico, acompanhamento e tratamento da doença falciforme. Não pratique a auto-medicação. CONSULTE SEMPRE O MÉDICO HEMATOLOGISTA!



terça-feira, setembro 06, 2005

O depoimento da Fernanda

Quando eu comecei o blog sobre a Anemia Falciforme, o intuito principal era trocar experiências, falar sobre o que os portadores sentem, quais as dificuldades que enfrentamos, quais as nossas expectativas perante a vida, enfim, falar sobre as pessoas.
Muito se encontra pela internet sobre AF, dados médicos, estatísticas, enfim... Mas pouco se falam sobre pessoas, e era sobre isso que eu queria falar.
Eu pedi aos amigos virtuais, portadores de AF que eu encontrei na comundade do Orkut, que me enviassem seus depoimentos, falassem sobre a sua "doença", mas esbarrei num pequeno problema.
Muitos de nós não gostamos de falar sobre isso. Muitos nunca pensaram em colocar no papel o que sentem.
A Fer, querida, foi a primeira.
Obrigada Fer, fiquei muito emocionada com o seu depoimento, e posso te dizer que muito do que você disse eu também sinto. Um beijo...
" Há pouco tempo atrás, menos de dois anos acho, muita coisa resolvi mudar, principalmente o modo de lidar com as coisas apesar da dificuldade. Quando se cresce com uma doença pré-existente (como é o caso da anemia falciforme) que te impede e te deixa a passos lentos, você acaba criando um submundo só seu. Por outro lado acaba passando a todos que convivem com você a força que se cria a mais para agüentar tal doença. Em uma crise já me senti um lixo, descabelada, revoltada, triste, vazia. Tudo! Totalmente humilhada e por muitas dessas vezes perdi a força... Não é fácil agüentar ter diversas infecções, tomar penicilina só por “precaução”, ter dores tão intensas (que te faz por instantes perder a vontade de viver te deixa literalmente perdido e absorto), mas as pessoas que estão a minha volta sofrem tanto quanto, e eu agüento por mim, mas não posso agüentar por elas então é mais fácil muitas vezes tentar afastá-las, e se revoltar até com a sociedade que de tão hipócrita e preconceituosa me faz me sentir pior, talvez por não entenderem... Talvez ... Mas viver assim também não é viver, e ter uma doença dessas só te faz crescer... é isso que eu aprendo e que ensino aos outros.

Quando se é criança é tão mais fácil, você tem as crises, toma vários remédios, vive cheio de casacos, mas passa esquece fácil até a próxima crise, mas crescemos...
Para família é um pouco ou “um muito” pior, ver sofrer e não poder fazer nada. Meus pais são fortes, ficavam explicando a tudo e a todos sobre anemia falciforme e até aos médicos (graças que as coisas hoje melhoraram muito), eles brigam, eles lutam e sempre foram muito bons para lidar com isso tudo e principalmente ótimos para mim.

Mas quando já estava com uma certa idade a situação piorou, você já não aceita não poder jogar um vôlei com a galera na praia, porque o sol além de torrar os miolos e te deixar com dor de cabeça a canseira é fácil, fácil logo depois de 5 minutos, não aceita morar no litoral e não poder pegar uma onda, não poder pegar um trampo daqueles de temporada que você vai dar um gás danado! Ou uma noite de baladas daquela que acaba com qualquer um que já tenha muito oxigênio, ou até pular numa cachoeira gelada, mesmo no verão... Bom, mas apesar de não aceitar tudo isso eu tentei... sempre tentei tudo que não posso! Mesmo com pais a contragosto... mesmo com crises depois!!! que me revoltavam e me deixavam semanas fora da escola, perdendo, perdendo... e ganhando apenas uma overdose maciça de antibióticos, antiflamatórios, analgésicos (que claro sempre é melhor companheiro numa hora dessas).... sempre altamente revoltada... quer queira quer não atrapalha você a se relacionar com as pessoas e até deixar alguém se aproximar, mas aprendi a lidar ter uma malícia, aceitar o carinho e o apoio de muitos... olhar estranho de outros... o preconceito... (esse é foda!!!), aprendi acima de tudo a ver como a felicidade está nessas pequenas coisas que eu faço mesmo que seja a conta gotas.

Teve num certo momento que a depressão veio... e acabou com uma boa parte de mim, além de acabar com meu namoro, meu trabalho, meus amigos.... junto com crise então não se explica... mas! É assim... essa é a vida! Além da anemia falciforme, temos todos outros problemas como qualquer um, e pensando bem temos menos problemas que muitos também.

Tenho 22 anos, um irmão com 19 que não tem a doença e muito menos o traço e melhor ainda não trabalha, não estuda e não quer nada da vida e ainda reclama pakas!!! (que ironia), e tive um pediatra até dois anos atrás! Uma pessoa que eu amo, que como meus pais me fez viver com melhor qualidade possível nesse mundo!!!
Atualmente tenho uma excelente Hemato, e algumas complicações, hospitais são difíceis e os convênios nem se fala (já que estou para perder o meu e para fazer outro... ai ai ai q dor de cabeça), mas aqui na baixada santista é um bom lugar para se tratar dessa doença, não tenho muitas reclamações.


Tava na hora de CRESCER, ACEITAR de parar de fingir e tirar medo de que não posso falar pra ninguém da minha situação por medo ou preconceito ou rejeição, tirar medo de um futuro que eu possa ter medo de construir, tirar medo de ter medo...

Sim as adaptações são diversas em cada caso... as coisas viravam até desculpa para não se fazer algo, mas percebi que não é assim, e depois de um mundo girando totalmente, mudei muito.... a timidez, o medo de correr atrás do que se gosta, do que se tem vontade...

Hoje estou aprendendo muito ainda mais com tratamento psiquiátrico (outra fonte de preconceito), tratamento com Hydrea (e as diversas reações da qual eu não estava acostumada), e a esperança.... Mas falo abertamente com todos, encaro relacionamentos, amizades, trabalho (ui!), por mais que eu tome diversos não, que caia, ou que não de certo.... mas isso acontece com todos, até com quem não tem anemia falciforme! Como tem gente que não pode com perfume forte que logo fica ruim eu não posso com um esforço maior e assim acabei vendo simplicidade, sem claro deixar de andar com um analgésico bem forte na mochila, básico que faz encarar dia sem precisar parar tudo já que mundo adulto ta ai (e como ele é chato). Mas acabamos pegando as manhas...

Ainda to aprendendo a lidar com fato de querer ou não ter filhos, ou de fazer trabalhar com que eu gosto sem pegar pesado, e aprendendo até mesmo a levar um casaco junto de vez em quando.

Minhas hemoglobinas (toscas!) tem apelidos carinhoso dos amigos, e eu cresci muiiiiiito com essa doença, que eu digo que não foi ruim tê-la já que ela ensinou muito... a mim, a minha família, até as pessoas mais próximas... já que vemos tanta gente ai esbanjando saúde e burrice, deixando de viver! Imagino se eu não tivesse, será q eu viveria tão intensamente? Aprendi principalmente respeitar a nos mesmo e a nosso corpo, numa vida de louco q se tem hoje, e principalmente a ver a felicidade e trilhar mesmo com dor, e como é verdadeira a frase que nos diz q as melhores coisas da vida são as mais simples!!!
Beijos a todos que tem ou não “meia luas”!!!
"

quinta-feira, setembro 01, 2005

"A Nil (Nildene Mineiro - Jornalista) fez hoje em seu flog um apelo que eu acho que vale a pena passar pra frente e ajudar.
Essa matéria foi publicada no Jornal Meio Norte, semana passada... A foto acima é apenas ilustrativa, mas não muito longe da realidade dessa família “Dizer que Francisca das Chagas dos Santos e Rogério Feitosa, pais de quatro filhos na cidade de Timon (MA), vivem uma situação difícil parece pouco para descrever a história dessa família, que tenta sobreviver com apenas o salário mínimo. Se não bastasse a situação de miséria, de uma renda média de R$ 50 ao mês por pessoa, eles ainda enfrentam problemas como uma casa prestes a desabar e crianças precisando de constante tratamento médico devido à anemia falciforme, glaucoma e miopia acentuada. Enquanto concede entrevista, Francisca das Chagas chora de desespero, para ter forças e continuar tendo fé de que sua vida vai melhorar. Entre os quatro filhos, Maria Elisabeth, de 8 anos; Lucas dos Santos, de 7 anos; Mateus Yúri, de 3; e Jorge Luís, de um ano e meio. Lucas e Jorge Luís têm anemia falciforme e Maria Elisabeth tem glaucoma e miopia. A menina está ameaçada pela cegueira e para enxergar usa um óculos com lentes de 9 graus e meio e precisa de tratamento contra glaucoma. As crianças com anemia falciforme são dependentes de ácido fólico, medicamento que deveria ser distribuído gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), já que o Ministério da Saúde tem um programa específico para o combate à doença. Sem estarem inscritos em nenhum programa assistencial, Francisca não tem como comprar o ácido e muitas vezes assiste impotente as crises de Lucas e Jorge. "É nessa hora que o desespero e o medo de perdê-los tomam conta de mim, eles ficam muito pálidos e sem forças ", declara Francisca. Ela conta que quando as crianças estão em crise ficam acamados por causa da fraqueza. Para piorar a situação, na casa de Francisca todos dormem amontoados numa única cama. A casa tem apenas três cômodos, é de taipa e as paredes estão para cair, escoradas por vigas de madeira expostas ao sol e à chuva, do lado de fora da casa. "Nesses últimos dias uma das paredes caiu por cima da cama que Elisabeth dormia. Ela escapou, mas a caminha dela se foi", conta Francisca. Na moradia também não há banheiro e muito menos fossa séptica. A sobrevivência de toda família, está por conta do salário de Rogério Feitosa, que trabalha na companhia de limpeza pública de Timon. "Tem meses que eu entrego tudo que recebo para a quitanda, onde compro as comidas fiado. Tento pelo menos dar o que comer para as crianças", diz Rogério. A casa da família tem quatro peças de mobília, mas não tem fogão ou geladeira. Francisca cozinha em um fogão à brasa. Mesmo assim, eles foram vítimas de um assalto. O ladrão levou as poucas fraldas do Jorge Luís, a bicicleta que Rogério utilizava para ir ao trabalho, uma pequena televisão que eles estavam pagando há dois anos, as compras do mês e R$ 17,00 que foi arrecadado através do bingo de uma caixa de bombom, iniciativa da professora de Elizabeth, para a compra dos óculos da menina. Ao falar sobre o roubo, Francisca se emociona. Ela conta que tem habilidades, borda e faz crochê muito bem, mas não tem condições de comprar material. "Eu sei fazer e tenho muita força de vontade, mas não tenho condições de comprar nem um tubo de linha", lamenta. A família mora na rua 4, n 133, Vila Bandeirante II, Timon-MA, próximo ao Hospital Regional Alarico Pacheco. O telefone de contato para ajuda é da mãe de Francisca das Chagas, Jaci, que atende no número 3326-7749.”

*** Logo abaixo, estou publicando uma lista de material de construção, pq acredito q uma tragédia pode acontecer a qualquer momento, caso essa família permaneça na casa de pau a pique onde estão. O teto e uma das paredes são escorados do lado de fora por uma viga de madeira exposta ao sol e chuva e pode ceder a qualquer momento. A idéia é reconstruir a casa e construir um banheiro, pq sem higiene não adianta muito tratar problemas de saúde das crianças, como vermes...enfim, aí está:
1 carrada e meia de pedra
4 mil tijolos
17 sacos de cimento
1 carrada e meia de massará
44 caibros de 3 ½
8 dúzias de ripas
2 portas
2 janelas
Isso, fora o banheiro. Por favor, quem puder ajudar, entre em contato comigo. Em breve espero estar publicando fotos da família aki... Espalhem esse apelo entre os amigos, se puderem...Obrigada!
Para falar com a Nil:
MSN: nildenemineiro@hotmail.com
TEl.: 8803-0550"

Gente, olha eu não sei qual é a atual situação dessa família, mesmo porque, além da distância (já que eu estou em São Paulo) só li o texto hoje e ele foi publicado no blog Bem aqui assim no dia 27/06/05.
Não pedi autorização da autora do texto para publicá-lo aqui, mas como a intenção é duvulgar e ajudar as pessoas que tem AF, estou tomando a liberdade de publicar assim mesmo, citando a fonte é claro.
Quem quiser e puder ajudar, por favor, entre em contato com ela.
Obrigado.

segunda-feira, abril 25, 2005

Programas do Governo

Doença terá programa inédito

Pacientes sofrem com a desinformação de profissionais. A cada ano nascem cerca de 3500 crianças com o mal.

Apesar de pouco conhecida, a anemia falciforme é uma doença grave, sem cura. A cada ano nascem, em média, 3.500 crianças com o problema, que afeta o sangue. A questão chamou a atenção do Ministério da Saúde, que divulgou na quinta-feira ter iniciado, mês passado, o primeiro Programa Nacional de Atenção Integral aos Pacientes com Anemia Falciforme. O anúncio, no entanto, parece ter sido precipitado.

Segundo a médica Joice Aragão, gerente do projeto, o lançamento se referia apenas a um projeto-piloto testado em cinco estados: Mato Grosso do Sul, Pará, Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Sul. O programa nacional começaria até julho e deve oferecer acompanhamento específico e remédios para controlar os sintomas de uma enfermidade, sobre a qual muitos profissionais de saúde são desinformados.

- Um médico já me perguntou como a adquiri - afirma a contadora Andrea do Nascimento, de 28 anos. A anemia falciforme é hereditária.

- O indivíduo com a doença tem uma alteração nos glóbulos vermelhos, que deixam de ter um formato de ''biscoito'', como na maioria das pessoas, e passa a ter forma de ''foice'' - explica João Paulo Baccara, o coordenador da Política Nacional de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde.

Os glóbulos vermelhos ou hemácias têm a importante função de transportar oxigênio no sangue. Essa alteração de forma nos falcêmicos - indivíduos com anemia falciforme - diminui o ritmo do sangue causando obstrução dos vasos sanguíneos. Isso ocasiona crises de dor nos ossos, nas articulações, no tórax e no abdômen, além de feridas nas pernas.

- A dor é muito forte, as células ''travam'' o que impede que o sangue corra. Já tomei até morfina - conta Andrea.

Outros problemas são as infecções freqüentes na garganta, pulmões e ossos, que podem ser até fatais; anemia crônica e icterícia (cor amarelada nos olhos). Andrea já teve mais de dez pneumonias.

Os hemocentros e serviços cadastrados pelo programa do governo vão oferecer antibióticos contra as infecções, vacinas específicas para prevenção delas, analgésicos, antiinflamatórios e ácido fólico, vitamina que ajuda na formação das hemácias.

Como é necessário que o felcêmico faça sempre transfusão de sangue, o programa pretende realizar a distribuição de sangue deleucotizado (sem a presença de leucócitos) e fenotipado (para identificação de antígenos dos grupos sanguíneos - A, B, O, Rh positivo ou negativo), para garantir que o paciente que receber o sangue não corra o risco de desenvolver anticorpos contra os leucócitos e antígenos não compatíveis ao seu organismo.

Outro objetivo é realizar o diagnóstico cada vez mais cedo, através da fase 2 do exame do pezinho. Em muitos centros ainda se faz apenas a fase 1 do teste, que só diagnostica fenilcetonúria e hipotiroidismo.

Para o acompanhamento das ações contra a anemia, o ministério criou o Hemovida Ambulatorial, software que registra de diagnósticos até controle de estoques dos medicamentos.

Para Baccara, o programa surgiu por pressão dos movimentos sociais. Gilberto dos Santos, presidente da Federação Nacional das Associações de Anemia Falciforme (Fenafal) e da Associação de Falcêmicos do Rio de janeiro (Afarj), concorda:

- Nós temos reivindicado isso há um bom tempo. A iniciativa representa uma esperança na melhora de vida das pessoas com anemia falciforme.

A Fenafal tem cerca de 15 mil associados por todo o país em 19 estados.

Fonte: Jornal do Brasil, 19/04/05

segunda-feira, abril 11, 2005

Preconceito

Desde que fui convidada para entrar no Orkut, achei que ia odiar aquele negócio, que era mais um fórum insuportável que encheria a minha caixa de e-mails sem nexo.
A verdade é que o Orkut me trouxe, através da Comunidade da Anemia Falciforme, pessoas maravilhosas, esclarecidas e com vontade de aprender.
Desde então já fiz contato com muitos deles. Na verdade ninguém quer descobrir uma receita mágica de como viver, ou o que fazer, mesmo porque, através dos tópicos discutidos na comunidade, todos nós vimos que o que é regra pra um é exceção para outro.
A comunidade cresceu bastante, acho que não o necessário, mas o crescimento fez-se notar. É muito triste ver que apesar dos esforços da Mara, que é a moderadora da comunidade, não pudemos divulgar mais, dentro das comunidades negras do Orkut, pois muitos dos membros dessas comunidades acharam a tentativa da Mara preconceituosa.
Falar de AF é difícil. É difícil para quem não conhece, pois a primeira impressão é que a pessoa portadora de AF está condenada à morte precoce ou a uma vida de privações e provações. Isso não é verdade.
Conheci um rapaz de 22 anos através da comunidade do Orkut. Através do MSN conversamos e ele me elogiou pela coragem de falar sobre a minha condição. Me pediu para não dizer o nome dele, mas a história dele me deixou de certa forma chateada.
Ele não diz que tem AF para ninguém. Para as pessoas que disse, se arrepende profundamente. Tem raiva, pois de todas as pessoas com quem comentou, sempre ouviu um “coitado, tadinho”. Acha que as pessoas têm preconceito, e ele talvez tenha vergonha.
Não sei. Eu não consigo me lembrar de há quanto tempo sei que tenho AF. Acho que a vida toda. Minha mãe sempre fez questão de nos dizer que isso não nos impediria de viver, produzir, de estudar. Nós nunca fomos tratados como especiais em nada. Apesar de minha mãe ter as asas sobre nós durante muitos anos, de uma certa forma ela nos deixou voar.
Eu nunca tive preconceito com o fato de ter uma doença, ou de essa doença muitas vezes ser tachada de doença de negros. Tenho orgulho da minha descendência. Da cor da minha pele e dos gens que carrego.
Muitas vezes eu acredito que nutrimos um medo silencioso, uma incerteza dolorosa, de até onde o nosso corpo irá agüentar. Por este motivo talvez seja tão difícil falar sobre a AF. Sobre como nossa vida é, sobre como nós pensamos.
Existe sim um preconceito velado, muitas vezes concentrado na classe “hospitalar” (auxiliares de enfermagem e enfermeiros) que acredita quase que inconscientemente que o portador de AF é um drogado. Já ouvi barbaridades, já brigamos muito, eu e meu marido, por causa disso. Tanto eu, quanto meu irmão, ouvimos as mais grossas afirmações e perguntas, inclusive de médicos que tiveram a “cara-de-pau” de perguntar quando nós adquirimos a AF. Meu irmão já respondeu à uma médica que havia pego quando tocou no corrimão do hospital.
É difícil. O mais difícil é lidar com a desinformação, mas é pra isso que as pessoas servem, para propagar conhecimento, para trocar experiências.
O pior do preconceito é exatamente o que a palavra diz: fazer um conceito antes. Antes de se informar, antes de saber.

quarta-feira, março 30, 2005

Meu depoimento

Minha mãe tinha 35 anos quando se viu parada na frente do Hospital das Clinicas de São Paulo, carregando duas crianças desenganadas, que não completariam a sua primeira década de vida, segundo a médica que lhe atendeu.
Uma das crianças era eu, a autora desse blog, que tem hoje 33 anos e um filho de 11. A outra era meu irmão, Luciano, hoje casado e com 30 anos.
Naquela época, quando se falava de anemia falciforme e talassemia (ainda mais as duas juntas), era quase como assinar um atestado de óbito antecipado. Para completar a situação, minha mãe tinha acabado de se aposentar por invalidez (por causa de um erro médico que lhe tirou a visão do olho esquerdo) e saía de um casamento de 4 anos que não havia dado certo.
A única instrução que a médica deu à minha mãe foi: “Mude-se para um lugar quente e dê os melhores anos que essas crianças possam ter.”
Ela enlouqueceu. Vendeu tudo o que tinha, e juntou a cara e a coragem e fomos todos para o interior. Foi assim que fomos parar em Jaú, terra dos meus avós maternos, de tios e primos distantes. No dia da mudança, a minha mãe decidiu que iria jogar o carro embaixo do primeiro treminhão (aqueles caminhões enormes que carregam cana) e matar nós três. Um anjo disfarçado de guarda rodoviário a parou antes e a escoltou (literalmente) até a cidade.
Ela não desistiu e correu atrás de todas as simpatias, promessas, esperança, benzeduras, terreiros, igrejas, enfim, qualquer coisa que diziam para ela fazer, ela fazia. Nós tomamos sangue de boi fresco, em jejum. Tomamos mentruz batido com leite, chá de picão e tantas outras coisas que eu nem me lembro mais.
Ainda assim, ela procurou os melhores centros especializados, em Campinas, em Ribeirão Preto, e lá fizemos todos os tratamentos disponíveis.
Em Ribeirão ficamos muitos anos sendo acompanhados pelo Dr. Marco Antonio Zago e sua equipe, depois pela Dra. Sarah e sua equipe, e também pelos hematologistas do convênio (sim, além do acompanhamento no HC de Ribeirão a gente ainda ia ao particular....) os Drs. Sebastião Ismael e José Bernardes.
Nós todos aprendemos muito, a minha mãe sempre fez questão que nós soubéssemos o que tínhamos e porque era feito isso ou aquilo.
E nós fomos crescendo. Tenho certeza que na cabeça da minha mãe, cada aniversário era uma grande conquista.
É claro que tivemos os nossos problemas, claro que tomamos vários sustos, como quando meu irmão foi operado para retirar o baço e sofreu uma parada cardio-respiratória, mas a gente sabia que a luta era dura, mas não impossível. As crises foram superadas, algumas demoraram mais, outras menos.
Enquanto a gente podia ficar debaixo das asas dela, ficamos. Mas um dia, nos tornamos adultos, e partimos para vôo solo. Meu irmão viajou para o exterior, foi fazer um tratamento experimental lá em Boston-MA, viajou de férias para Londres, casou. Dirige, joga bola (quer dizer, tenta....), namorou, trabalha. Bebe sua cervejinha de vez em quando, sai com os amigos....
Eu também fiz tudo que uma pessoa normal faz: trabalho, estudei, tive um filho lindo e saudável, casei com uma pessoa especial que me ajuda e me compreende, cuido da casa, faço faxina, viajo, bebo minha cerveja, enfim...
Nós nunca fomos tratados como especiais. Sempre foi muito claro pra nós que nós tínhamos limitações, sim, mas poderíamos fazer de tudo. Pra nós sempre foi muito certo que somos inteligentes, podemos produzir, trabalhar, estudar, amar.
Já tivemos casos de preconceito sim, alguns patrões que tivemos já nos disseram que nós provocávamos as crises, e que gostávamos de ficar doentes. Mas a gente não pode julgar a maioria por uns. Infelizmente (ou felizmente) as pessoas não sabem como é que acontece, como é a nossa dor, e que não somos nós que controlamos isso.
Muitas vezes as pessoas me perguntam como evitar as crises. Eu digo, não tem como. Vai acontecer, e quem é portador de AF sabe disso. Você pode estar assistindo televisão, num dia quente, super hidratado e tal, descansado e ter uma crise. Ou pode ir ao auge do esforço físico, do desgaste emocional e não ter nada.
O que pode ser feito é tentar evitar os fatores que desencadeiam as crises, como stress, desidratação, etc. Tentar não colaborar para que aconteça. Mas isso também não garante.
A internet me trouxe amigos virtuais, portadores de AF, com quem eu converso no MSN ou no Orkut, que trocam experiências comigo. Eu conheci uma moça que ela e o irmão tem AF e estão super bem, graças a Deus, e o irmão se trata com hydrea e tem 40 anos...
Hoje temos tantos médicos bons, tantos centros especializados, e temos acesso a muito mais informação do que há trinta anos atrás.
Essa troca de experiências é importante.
Mas ainda é muito difícil pra quem tem AF falar sobre isso. A gente vivia sobre a sombra do medo, de ficar doente na escola, de ficar doente na frente do namorado(a), de ficar doente na balada, dos outros acharem que a gente tem defeito, ou que a gente vai passar a doença, como se fosse catapora.
A gente vivia com medo de morrer jovem, de não poder ter filhos, não poder constituir família e de ser um encosto na vida dos pais, ser eternos dependentes.
E hoje a gente sabe que não é mais assim. Que bom, que bom!!!

terça-feira, março 15, 2005

Dois avisos

1. Todos os textos publicados neste blog, apesar de escritos muitas vezes com as minhas palavras, são baseados em manuais do Hemorio, do Ministério da Saúde, do Hemocentro de São Paulo, de textos da USP, Unesp, etc.
Como os textos foram modificados em sua grande maioria, não coloquei a fonte, então agora me redimo. De qualquer forma, os links ai ao lado são as minhas fontes de pesquisa.
2. Eu não sou médica, e a internet não é consultório médico. Portanto, é sempre imprescindível ter um bom médico hematologista para fazer o acompanhamento de um portador de AF. Você tem dúvidas quanto ao tratamento? Pergunte sempre ao seu médico, questione, mas siga sempre as orientações dele, nunca se auto-medique. Isso é muito importante. Aprender, trocar experiências, ler, é muito bom, faz você ficar mais consciente, mas NÃO SUBSTITUI O MÉDICO.

Obrigado

segunda-feira, março 14, 2005

5 perguntas sobre AF

1. Como se faz o diagnóstico da Anemia Falciforme?
Um exame simples de sangue, como o hemograma, pode já indicar a presença de hemácias falciformes e hemoglobina baixa. A partir desse exame, o médico normalmente solicita outros, como a eletroforese de hemoglobina e o teste de falcemia, para confirmação do diagnóstico.

2. Quais são os principais sintomas do portador de Anemia Falciforme?
Os principais sintomas da AF são apresentados ainda na infância, as crianças normalmente são pálidas ou ictéricas (amarelas), costumam relatar um ou mais sintomas como: cansaço, fraqueza, dores (nas articulações, ossos, torácicas, abdominais, em membros superiores e inferiores) de maior ou menor intensidade. Podem ainda apresentar infecções de repetição (respiratórias, urinárias, etc), edema (inchaço) nas mãos e nos pés e úlceras (feridas) nas pernas.
Todos os sintomas podem apresentar-se de maneira diferente em cada indivíduo. Alguns apresentam sintomas leves, outros de maior intensidade.

3. Existe cura para Anemia Falciforme?
Não. Ainda não foi descoberta nenhuma cura para AF, apesar de muitos cientistas estarem realizando pesquisas de terapias gênicas, células troncos e transplantes de medula óssea. Apesar disso, a AF tem controle. Por isso são tão importantes o diagnóstico precoce e o constante acompanhamento médico com o hematologista.

4. Quais os principais cuidados que o portador de AF tem que ter?Os portadores devem lembrar que estão expostos a um regime de anemia crônica. Dessa forma, precisam manter uma alimentação equilibrada e ingerir muito líquido.
É conveniente fazer repouso moderado e não se exceder nos exercícios físicos, pois o excesso de exercícios pode levar a crise dolorosa.
É importante ainda agasalhar-se durante o frio e usar roupas leves no calor, evitando mudanças bruscas de temperatura. Também é importante proteger as pernas e os pés para evitar os machucados.


5. Existem alimentos que o portador de AF deve evitar?
A alimentação, como já foi dito, deve ser equilibrada. Deve-se consumir pães, margarina, leite e derivados (queijo, iogurte, manteiga, etc.), açucares (doces), leguminosas (feijão, grão de bico, lentilha, ervilha, etc), carnes (boi, frango, peixe, etc.), legumes, verduras, frutas e óleos.
Devemos lembrar que por causa da hemólise das células falciformes, o portador de AF tem estoque elevado de ferro no organismo. Assim sendo, devem ser evitados os alimentos ricos em ferro, tais como: carnes vermelhas, principalmente vísceras (fígado, língua, rins, coração), animais marinhos com conchas, frutas secas, folha verde escuras (couve, espinafre, brócolis, agrião, rúcula), feijão, ervilhas, lentilha, ovos, melaço, pães e alimentos enriquecidos com ferro. Esses alimentos não são proibidos, devendo ser consumidos com moderação.
É importante ingerir grande quantidade de líquidos para evitar a desidratação. O chá mate, chá preto e chá verde dificultam a absorção do ferro pelo organismo, podendo ser consumidos em abundância.
Dietas específicas devem ser adotadas somente com recomendação e orientação médica.

quinta-feira, março 10, 2005

A herança

Todas as nossas células guardam em seu núcleo o material genético que é responsável pelas características que você possui.
É no DNA que está codificado, por exemplo, a cor da sua pele, a sua estatura, a cor dos seus olhos e de seus cabelos e assim por diante.
É também no DNA que estão as informações sobre sua saúde, dados estes que foram herdados dos seus pais, avós, bisavós, etc.
Mas o que é DNA?
A sigla DNA quer dizer: ácido desoxirribonucléico. O DNA é um longo filamento em forma de dupla hélice formado por nucleotídeos complementares ligados por pontes de hidrogênio. Ficou difícil de entender? Basta dizer que o DNA é um grande quebra cabeça onde cada peça tem o seu lugar e sua função na montagem da figura toda. Se uma peça for trocada de lugar a figura pode ficar torta, ou, dependendo da gravidade do erro, pode desconfigurar o todo por completo.
Esses “erros” na seqüência do DNA é que são responsáveis por algumas das doenças hereditárias. Doenças estas que são transmitidas geração após geração.
As células sexuais, o espermatozóide e o óvulo carregam no seu DNA, metade das informações que outras células do corpo carregam.
É por isso que quando um bebê nasce, ele traz uma mistura das características da mãe e do pai.
Uma das características que herdamos de nossos pais é uma proteína do sangue chamada hemoglobina. A hemoglobina é responsável pela cor vermelha do sangue e também pelo transporte de oxigênio para os órgãos e tecidos.
Todos nós recebemos de nossos pais um gene responsável pela síntese de hemoglobina.
A hemoglobina normal é chamada A e os indivíduos normais são chamados AA, pois recebem uma parte do pai e outra da mãe.
Na AF a hemoglobina é anormal e chamada de S. Quando a pessoa recebe de um dos pais um gene normal (A) e outro da falciforme (S) é chamado de traço falciforme (AS). O portador de traço não é doente.
Se a pessoa recebe de ambos os pais o gene da hemoglobina anormal (S) é chamado de homozigoto (SS) e é portador de Anemia Falciforme.
Existe ainda a possibilidade da pessoa herdar um gene da hemoglobina falciforme (S) e outro com algum tipo de hemoglobina anormal (C,D ou talassemia). Nesse caso todas as doenças onde a hemoglobina S aparece associada à outra hemoglobina anormal é chamada de Doença Falciforme.
A hemoglobina S faz com que a hemácia, que é a célula vermelha do sangue falcize, isso é, ela se modifica sucessivas vezes quando passa pelo pulmão para fazer o transporte de oxigênio, até que se torna uma meia lua ou a forma de uma foice. É daí que vem o nome de FALCIFORME (em forma de foice).
Por causa dessa alteração a hemácia vive menos. A célula sanguínea normal vive aproximadamente 120 dias. A S atinge no máximo a metade dessa vida útil, chegando às vezes a viver somente 15 dias.
Por causa desse afoiçamento, ocorre uma dificuldade na passagem do sangue pelos vasos sanguíneos mais finos, bloqueando o fluxo sanguíneo para tecidos e órgãos do corpo. Além disso, há menor oferta de oxigênio.
Esse bloqueio é o que causa a crise álgica (crises de dor), dependendo ainda do local ou órgão afetado podem ocorrer derrames.
Diferentes situações podem levar a hemácia com hemoglobina S a se falcizar (adquirir a forma de foice) com maior rapidez: Infecções, febres, desidratação, exposição a altas variações climáticas, stress, fortes emoções, diminuição da oxigenação do sangue, esforço físico, ingestão exagerada de bebidas alcoólicas, etc.

Editorial

Escrever sobre Anemia Falciforme não é uma tarefa fácil. Primeiro porque a Anemia Falciforme (AF) é uma doença genética e isso envolve DNA, mutações, pouca pesquisa e quase nenhuma divulgação.
Segundo porque sempre houve uma estigmatização em torno do fato da doença estar muito mais presente em pessoas negras.
A AF tem que ser muito bem abordada como questão de saúde pública, de interesse não só da população negra ou parda, mas de todos nós, sejamos brancos, negros ou mestiços.
Sabe-se bem que o nosso país é um dos maiores berços da miscigenação. É por esse motivo que, principalmente no Brasil, não se pode simplificar e denominar a AF como doença unicamente encontrada na raça negra.
A AF é conhecida há mais de cinquenta anos. Há trinta, os primeiros programas de mapeamento genético das células falciformes foram instituídos nos EUA.
Muito ainda precisa ser feito para a divulgação da AF, das políticas de diagnóstico às formas de tratamento.
Poucas são as associações de portadores ativas, poucas são as ações efetivas.
Para se ter uma idéia do quão pouco a AF é discutida, na Veja, a revista semanal de maior circulação no Brasil, no período de 1997 a 2005 apenas 3 vezes as palavras "anemia falciforme" foram mencionadas.
A primeira foi feita numa matéria ampla, porém inespecífica, sobre terapia gênica.
A segunda foi uma nota de 3 linhas sobre um dos exames que foi incluído no teste do pezinho realizado obrigatoriamente em todos os recém-nascidos, que é responsável pelo diagnóstico da AF, a eletroforese de hemoglobina.
E a terceira era a resenha de um livro sobre sobreviventes de acidentes, onde um dos personagens era portador de AF.
É pouco se levarmos em consideração que uma em cada 130 pessoas tem anemia falciforme, 10% da população negra/parda e 2% da população geral do país é portadora de traço falciforme.
Na Bahia o número chega a 5,5% da população geral.
O melhor caminho ainda é a informação.
É necessário o diagnóstico precoce para que o portador faça acompanhamento médico constante e a família receba orientação sobre o risco reprodutivo.
Isso envolve aconselhamento genético, psicológico e acima de tudo bioético.
Não basta somente dizer ao portador de traço que ele não deve ter filhos. Ele precisa ser orientado, esclarecido e sempre deve ser preservada a decisão única e soberana do indíviduo sobre os riscos a serem assumidos quando da decisão da reprodução.
Foi por causa de todos esses argumentos que eu resolvi, como portadora de AF, usar a ferramenta mais poderosa de divulgação que temos disponível hoje, que é a internet, para falar sobre a doença.
A intenção não é só apresentar a AF usando termos médicos e leigos, mas divulgar. Apresentar casos de pacientes, experiências de vida dos portadores, casos de preconceito, de exclusão, de dor, mas acima de tudo, de vitória e de luta.
Nós somos muitos, portadores de AF e traço. Precisamos nos unir para aprender, ensinar e alertar.
Sejam bem vindos!